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Paty e a maior revolta de escravizados do Vale do Café

O Vale do Paraíba, no Sul Fluminense, também conhecido como Vale do Café, tem uma vasta história com o comércio do produto durante o século XIX. Ao todo, estima-se que as fazendas cafeeiras eram responsáveis pela produção de 75% do café consumido em todo o mundo. Por outro lado, a alta demanda pela plantação, colheita, torragem e carregamento do grão era suprida com o uso de mão de obra escrava de negros traficados do continente africano.


É neste contexto que surge a maior revolta negra do meio rural. Manoel Congo, ferreiro escravizado, foi o personagem principal da batalha já que, apesar da força dos barões do café, conseguiu libertar cerca de 400 indivíduos em duas propriedades. A fuga em massa aconteceu em Paty do Alferes, no dia 5 de novembro de 1838, na Fazenda Freguesia. O grupo que conseguiu fugir se abrigou na mata e, na noite seguinte, dirigiu-se à Fazenda Maravilha para devolver a liberdade aos negros aprisionados no local.
Ao todo, quinze homens e uma mulher, Marianna Crioula, lideraram a fuga dos cativos. A professora e coordenadora de educação Étnico-Racial Rosi Stumbo diz que a história de Marianna é apagada pela ideia (equivocada) de que ela era companheira de Manoel, o que não era verdade. Congo era casado e tinha uma filha de quatro anos na época da revolta: "Marianna trabalhava para Elisa Xavier, que era esposa de fazendeiro. Ela fez parte da liderança que organizou a fuga de Manoel Congo e dos demais negros das fazendas Maravilha e Freguesia".

As fazendas eram propriedades de Manuel Francisco Xavier. Um homem extremamente religioso que se casou com a sobrinha para manter a herança na família. No primeiro levante, 80 homens conseguiram fugir das senzalas. O grupo ainda conseguiu depredar parte da fazenda, além de pegar alimentos, levar animais e libertar as negras que dormiam na cozinha do casarão, onde ficava Marianna.


Rosi diz que o tratamento violento recebido na fazenda inflamou o desejo de fuga. "Manoel Francisco Xavier tencionou demais com os castigos aos escravizados e um dos negros foi morto pelo capataz". A influência de Congo era tanta que os outros cativos levaram a história até o ferreiro para ele tomar uma providência. No entanto, sem uma ação definitiva, o resultado do sentimento de revolta deu fruto ao planejamento da fuga.


Na segunda noite, os escravizados, agora em liberdade, correram em direção à mata e, no caminho, libertaram outros cativos. O episódio ocorria em meio a outros levantes pela liberdade do povo negro no Brasil como os Malês, em Salvador, e os Carrancas, em Minas Gerais.


A fuga do Vale do Café, ainda que planejada, enfureceu os fazendeiros que temiam novas investidas dos escravizados. O que se deu em seguida foi uma caça com 150 homens da Guarda Nacional, incluindo um destacamento de pedestres e cidadãos armados. Manoel foi capturado com outros companheiros que participaram da libertação dos negros cativos. Em meio a luta contra os homens do Estado, Marianna Crioula também foi capturada.
De acordo com documentos sobre a fuga disponibilizados pelo Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJRJ), ao ser localizada na mata, ao lado dos companheiros negros, ela gritou: "Morrer, sim. Me entregar, nunca". Ela foi capturada e levada de volta para a fazenda, onde foi mantida em uma solitária por cerca de 15 dias.


Manoel foi preso pelo oficial Luis Alves de Lima e Silva, o futuro Duque de Caxias, e todos os envolvidos tiveram de assistir à execução de seu principal líder. Atualmente, o local onde Congo foi morto tem um memorial em sua homenagem.
Já a fazenda da Freguesia é hoje conhecida como Aldeia de Arcozelo. Ela foi perdida em um jogo de carteado por um dos quatro filhos adotivos de Manoel Francisco Xavier. Na década de 1960, o espaço foi adquirido por Paschoal Carlos Magno e foi transformada em um complexo cultural. Hoje é administrada pela Funarte em parceria com a prefeitura de Paty do Alferes. 
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